Governo permitiu roubo dos aposentados, mas tem “consciência muito tranquila”
- Ederlindo Paulino
- 29 de abr.
- 4 min de leitura
Por Dinhonoticias: 29/04/2025, as 16:30

Ao comentar os desvios do INSS, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, disse ter "consciência muito tranquila". Lula não comentou o escândalo até agora.
Oito bilhões de reais foram descontados de aposentados e pensionistas do INSS nos últimos nove anos. Metade desse valor apenas em 2023 e 2024, no atual governo.
De cada 100 beneficiários afetados, 98 não autorizaram débito algum e 72 nem mesmo sabiam que dinheiro deles era repassado a entidades que supostamente lhes prestavam serviços.
Não sabiam porque o INSS não manda contracheque pelo correio e só um terço dos beneficiários acessa o aplicativo que exibe os extratos. Os demais não conhecem ou não usam, por dificuldade de cadastro ou pouca familiaridade com tecnologia.
Quem diz tudo isso é a Controladoria-Geral da União (CGU), que publicou relatório escancarando as falhas da Previdência Social.
Os descontos variavam: cerca de R$ 45 por mês em alguns casos, perto de R$ 80 em outros, ou mais. Subtraídos de pessoas que, em sua maioria, ganham um salário mínimo.
Tudo ocorreu sob o nariz de dirigentes da Previdência. Polícia e Justiça poderão dizer se houve conivência ou cumplicidade. Os fatos mostram que houve, no mínimo, negligência.
O dinheiro só foi surrupiado de aposentados e pensionistas porque o INSS assinou convênios com dezenas de entidades sem verificar se eram capazes de prestar os serviços que declaravam.
E porque em seguida o INSS aceitou passivamente as listas de supostos associados que elas lhe informaram e passou a fazer o desconto automático nos benefícios (aliás, se apenas 4% dos consultados pela CGU reconheceram ser filiados a entidades, quem passou a elas os nomes dos demais?).
Aposentados e pensionistas que notaram os débitos tiveram dificuldade para cancelá-los. Muitos não foram informados de que deveriam fazer um bloqueio prévio para evitar futuros problemas, e voltaram a sofrer descontos em seguida.
Em resumo, o INSS exigia pouco ou nada das associações, e muito dos aposentados.
"A complexidade imposta aos beneficiários para a exclusão dos descontos associativos é inversamente proporcional aos controles exigidos das entidades associativas no processo de inclusão desses descontos na folha de pagamentos do INSS", diz o relatório da CGU.
Mesmo quando cancelou débitos flagrantemente irregulares, o INSS se negou a devolver o dinheiro desviado. Mandou aposentados e pensionistas se virarem com as entidades, que eles desconheciam e com frequência ficavam em outros estados.
As investigações sugerem que o esquema é antigo. A auditoria da CGU cobre o período a partir de 2016, e a Operação Sem Desconto mirou de 2019 em diante.
Vale notar, porém, que a multiplicação dos desvios é mais recente. Por muitos anos os valores debitados variaram de R$ 400 milhões a R$ 600 milhões, até caindo vez ou outra.
Mas, em 2022, o número de entidades conveniadas saltou de 15 para 22 e o valor aumentou 32%, chegando a R$ 706 milhões. Naquele ano, após articulação de sindicatos, o Congresso derrubou regra instituída em 2019 que obrigava a revalidação dos débitos a cada dois anos.
Em 2023, o total descontado quase duplicou e chegou a R$ 1,3 bilhão, repassado a 27 associações. No ano seguinte, mais que dobrou e passou de R$ 2,8 bilhões, em favor de 33 entidades.
Uma conselheira da Previdência declarou ter alertado o ministro Carlos Lupi logo após a posse dele, em janeiro de 2023. Atas de reuniões do conselho indicam que ela tentou colocar o assunto em pauta em junho do mesmo ano, sem sucesso. O colegiado só debateu o caso em abril de 2024.
O Tribunal de Contas da União (TCU), que fez auditoria sobre o INSS entre o segundo semestre de 2023 e abril de 2024, também alertou o órgão sobre irregularidades, apontando "preocupante descontrole" e observando que a fiscalização de entidades e descontos era feita por "um chefe de divisão e dois servidores".
Lupi diz que não foi omisso e que provas disso seriam a criação de regras mais rígidas para a validação de descontos, em março de 2024, e a demissão do diretor de Benefícios do INSS, André Fidelis, quatro meses depois.
Nada disso impediu que o valor retirado dos aposentados dobrasse naquele ano. Como revelou a CGU, o INSS adotou providências somente para evitar novos descontos irregulares. Não tomou qualquer atitude para checar a regularidade dos já existentes e continuou deixando a tarefa a cargo de aposentados e pensionistas. Segundo a CGU, o "estoque" de beneficiários que sofreram descontos chega a 7,7 milhões.
"A gente tem a consciência muito tranquila", declarou o ministro Lupi na quarta-feira (23), após a operação da Polícia Federal.
O Ministério da Previdência, que ele comanda, é um órgão do governo federal. É responsável pelo INSS, autarquia de maior orçamento da União e dona da maior folha de pagamentos do país, com 34 milhões de aposentados e pensionistas e outros 6 milhões de beneficiários.
O presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, perdeu o cargo já na quarta-feira, embora o ministro defendesse sua permanência. Lupi segue no posto. O presidente Lula, chefe dele, não disse uma palavra sobre o escândalo.